Por Márcia Estrázulas, perfumista, especialista em ciência, cultura e marketing do perfume.
Proprietária da Loja Free Shop, Shopping Rua da Praia, Loja 33, Térreo-Centro Histórico-Porto Alegre/RS-Cep.:90020007
Perfumes, como diamantes seriam eternos? A discussão toma anos. Dos perfumes sempre se disse que eles são capazes de grandes conquistas. De lendas milenares, os perfumes, pela mitologia grega, são obras dos deuses do Olimpo, que sinalizavam aos mortais sua chegada através do aroma de ambrósia que emanavam. Cleópatra teria seduzido Júlio César com uma embarcação cheia de velas aromáticas. E até o nascimento do Menino Jesus foi saudado por um dos reis magos com um pote de mirra que incensou o ambiente da manjedoura. O perfume inebriou a nobreza da Idade Média e mais adiante, no Renascimento, popularizou-se, ganhando a dimensão de produto de alto consumo. O perfume, desde então, traduz personalidades, hábitos de higiene, escalas sociais e culturas variadas. Os aromas exóticos vindos dos locais mais remotos, por exemplo, refletiram de imediato o encanto de descobridores com terras desbravadas. O perfume perpetuou-se como o fiel retrato de povos e hábitos. E no desenrolar de sua trajetória consagrou-se quando a pequena aldeia francesa de Grasse, na Provence, revolucionou o conceito dos cheiros apostando nas fragrâncias de jasmins, de rosas e do frescor de suas colinas. Grasse, no século XIX, converteu-se em capital mundial da perfumaria, com mais de 50 lojas que fizeram fama mundo afora. A reputação do perfume ao longo do tempo só cresceu e agora, como item obrigatório, ele passa por uma nova fase de mudanças. Os perfumes, sem prejuízo do valor de seus buquês, estão mais descartáveis. Viraram itens de coleções que mudam a cada estação. O perfume acompanha o ritmo das transformações, mas não perderá seu status jamais.
A evolução das fragrâncias
Em um de seus vários momentos de brilhantismo, mademoiselle Coco Chanel (1883-1971), a estilista que revolucinou a moda feminina e trouxe liberdade de movimento ao criar o tailleur e pôr fim os vestidos armados, sentenciou: “ O perfume anuncia a chegada de uma mulher e prolonga a sua saída”. Durante décadas, ela vestiu o corpo de mulheres ao redor do mundo com gotas de Chanel Nº 5, fragrância desenvolvida em 1921, por Ernest Beaux. Marilyn Monroe, por exemplo, enlouqueceu os homens ao dizer que dormia somente com “duas gotas de Chanel Nº 5”. Até hoje, o elegante frasco e os inconfundíveis aromas de jasmim, patchouli, rosas, centifólia, água de flor de laranjeira, ylang ylang e cerca de outros 100 ingredientes se prolongam nas vitrines das principais lojas de beleza do planeta. Mas, ao contrário do que aconteceu durante décadas, não impera sozinho. Hoje, ele divide as atenções com dezenas, centenas e, em breve, milhares de fragrâncias que são lançadas todos os anos. A indústria de perfumes mudou, os consumidores passaram por um processo de transformação e as fragrâncias são usadas como acessórios de moda. É um mercado que exala o doce aroma de US$ bilhões anuais. Se antes as pessoas adotavam um perfume para chamar de seu, hoje usam de acordo com o estado de espírito ou da ocasião. Pode ser um a cada momento do dia, seja de manhã, de tarde ou de noite. O surgimento dos clássicos da perfumaria como o Chanel Nº 5 é muito mais raro. Parte desse fenômeno se deve às griffes de moda que transformaram a área de cosméticos em uma máquina de fazer dinheiro. Esses produtos chegam a representar 20% do faturamento das empresas. A rigor, as empresas lançam mais perfumes a cada ano porque têm de apresentar resultados. Mas há, é verdade, uma predisposição das pessoas em consumir novidades o tempo todo. O mundo fashion, aliás, aguça o desejo dos consumidores pelos perfumes. Quem inaugurou esse casamento entre a moda e a perfumaria foi o estilista francês Paul Poiret, em 1910. É como se o cliente estivesse comprando um estilo de vida ligado à determinada marca. Ou seja, as fragrâncias mudam de acordo com o frescor de cada estação. Esse rastro que prenuncia a chegada de novos produtos não tem prolongado seus aromas no mercado. A maioria dos lançamentos duram dois anos e depois saem de linha. O que as marcas têm feito, e muito, são lançarem novas versões de produtos que estão no mercado há décadas. Isso só foi possível devido ao avanço tecnológico na indústria de perfumes desde sua criação. As primeiras evidências do surgimento dos perfumes remontam à pré-história. Estudiosos afirmam que, quando o homem dominou o fogo, madeiras e ervas eram queimadas para melhorar o sabor dos alimentos. Daí vem seu nome, originado do latim “per fummum (através da fumaça)”. Milhares de anos depois, o Egito dos faraós aperfeiçoou as técnicas de extração de aromas. Foram os egípcios que criaram o processo de maceração de substâncias aromáticas em óleo e vinho. Eles eram preparados para uso pessoal e também como oferendas para os deuses no embalsamento de faraós. Quando a tumba de Tutancâmon, que reinou 1300 anos antes de Cristo, foi encontrada no início do século XX, exploradores descobriram pertences perfumados. Cleópatra, a última rainha do Egito, usava velas aromáticas e costumava se banhar com perfumes. Mas é em 1533 que a indústria de perfumes começa a florescer. Naquele ano, a florentina Catarina de Médici muda-se para a França para casar com o futuro rei Henrique II. Junto com ela viajam dois perfumistas, os chamados “nez” (nariz em francês). No caminho, descobrem uma pequena região da Provence chamada Grasse, que até hoje é conhecida como a capital mundial dos perfumes. Dali nasceram aromas que encantaram a corte francesa de Luís XV e Madame de Pompadour, que acompanharam Napoleão Bonaparte em suas batalhas e que fazem parte do lendário Chanel Nº 5. O processo de extração das essências era muito rústico e prolongado. Os “nez” trabalhavam quase que artesanalmente na criação de uma fragrância. Atualmente, tudo isso pode ser feito com essências sintéticas criadas em laboratórios. As fragrâncias não são mais produzidas somente em Grasse, como era no passado, e as griffes não põem mais a mão na massa quando pretendem lançar um perfume. Apenas Chanel, Patou e Hermès ainda preservam seus perfumistas. O restante das griffes procura empresas internacionais de perfumes para que elas criem suas fragrâncias. O processo é relativamente simples. As griffes passam um briefing para os perfumistas e os profissionais de olfato apurado correm para desenvolver a fórmula ideal. O lançamento do perfume, entretanto, não depende mais do aroma. Por trás da alquimia de nobres matérias-primas, há um mergulho nas tendências sócio-culturais. Dentre o público jovem, surgem novas categorias de perfumes, a chamada “tecno fragance” – um perfume direcionado para a geração da música eletrônica. Porém os jovens são clientes infiéis, mudam de marca com freqüência, mas o movimento de griffes incentiva o hábito de usar perfume. Assim, mesmo se sair de linha para dar lugar a outro, o costume permanecerá vivo na memória olfativa.






